domingo, 25 de maio de 2008

"Mantenha distância"

Passei por uma esses dias que não sei muito bem como contar, mas vou contar. Bom, estou administrando uma conjuntivite e sabe as recomendações quais são: distância do filho, lavar as mãos sempre (suas e dele) por aí vai. Estou parecendo aqueles avisos de caminhão: "Mantenha distância". O fato é que ninguém pegou a bendita aqui em casa. Até agora, pelo menos. Essa conjuntivite é viral e agora comecei a aprender tudo sobre ela. A gente pensa que está melhorando, piora. Passa um dia sem dor, no outro, a dor vem dobrada. Enfim, sábado da outra semana achei que estivesse boa. Sem ardor, olhos limpos, todos os sinais de que ela já tinha me deixado em paz. Aqui no Recife tem chovido. Quem é daqui sabe. O dia amanhece lindo e de repente cai a maior chuva. João Marcelo carente, o dia feio e eu tive a idéia genial: vamos ao shopping para brincar naqueles cercadinhos horrorosos! Vamos! Quem me conhece sabe: Essa é minha última opção. É a apelação geral. Não gosto de ir a shopping center nem pra fazer compras, imagina pra distrair criança. Ainda mais com esse monte de doença assolando... Virose, conjuntivite, meningite... E todo mundo confinado em um "não-lugar", como sociólogos já definiram esses centros de compra. Bom, mas fui. Vivi uma experiência no mínimo dolorosa. João Marcelo ficou lá dentro, brincando, eu cá fora, num café, observando. De repente, deparei-me com a situação (não tenho palavras para adjetivá-la). Um menino do lado de fora do cercadinho, com um controle de video game, jogando, olhando para dentro por entre as brechas da cerca. Maltrapilho, sujo, lá pela casa dos 13 anos. Provavelmente da favela que foi imprensada para que o shopping fosse construído. Não foram mais de cinco minutos. Com certeza, ele pedira o controle a alguma criança de dentro do cercadinho... Visualizei a seguinte condição: as crianças que ficavam dentro do cercado e as que ficavam fora... É claro que não era uma novidade. É claro que essa condição sempre existiu, mas dessa vez eu fui testemunha ocular. Senti uma dor enorme ao ver aquilo. Entretanto, nada fiz. Continuei tomando meu café, contemplativa. Uma espectadora passiva. Fiquei refletindo e notei que o menino vinha se aproximando do lugar onde eu estava. Devia ter sido banido de lá. Alguma funcionária zeloza deve ter percebido e pedido o controle de volta. Ele se aproximou de uma senhora, pediu algo. A mulher negou. Ele se aproximou de mim e pediu dinheiro para comer. Eu disse que não daria dinheiro, mas pagaria um lanche para ele. Ele foi à moça do caixa, pediu um lanche e eu paguei. Depois, fiquei pensando na hipocrisia do meu gesto. Não tomei a iniciativa de ir pagar a entrada dele no cercadinho. Não. Talvez ele fosse muito maltrapilho e sujo para brincar no mesmo espaço em que meu filho estava. Era uma criança, como a minha, mas nem tanto. Senti-me mal. Ainda hoje a lembrança me emociona. Não apenas a dele, do lado de fora do cercadinho, mas também a minha, de mera espectadora, que compensou a culpa de não ter viabilizado a entrada dele no cercadinho pagando-lhe um lanche. Talvez, inconscientemente, tenha achado que aliviaria minha culpa ao pagar o lanche. Embora não o tenha feito com essa intenção. Hoje, refletindo, entendo a mesquinhez do gesto. Não era exatamente o lanche que aquela criança queria, mas era só aquilo que eu estava disposta a lhe oferecer. Continuava com aquele aviso de caminhão, "Mantenha distância", só que agora essa distância não seria entre eu e João Marcelo.

2 comentários:

ave migratória disse...

Puxa, Chris, admiro sua sinceridade ao relatar esse episódio. Também fiquei emocionada. Também me senti impotente.

(A estrangeira) Cristina Alcântara disse...

Muito sensível, minha linda. Sem culpas.