terça-feira, 24 de junho de 2008

Sobre São João, fogos e medo

Descobri neste São João como os adultos têm medo... Do medo. João Marcelo se assustou bastante com os fogos de São João. Para quem não é familiarizado com a festa junina, especialmente nos dias 23 e 24 de junho, no Nordeste, não faltam fogos de artifício. É um espetáculo de luz e... de barulho, muito barulho. Agora mesmo posso ouvir pela janela os fogos que comemoram o nascimento de João Batista, São João. Acontece que João Marcelo ficou assustado com os estrondos provocados pela tradição junina. Estávamos em Gravatá, uma cidade serrana a 85km do Recife, capital pernambucana. A família reunida em grande parte e em revezamento... Ele, então, fez a confissão pública: "Tô com medo dos fogos..." E, nos meus braços, não parava de repetir para tios, tias, avôs: "Tô com medo dos fogos..." E se agarrava, com medo (quase pavor), ao meu pescoço. Então, as pessoas tentavam consolá-lo, dizendo, naturalmente, que não era para ter medo, que não ia acontecer nada com ele. Eu disse que estávamos todos ali para protegê-lo etc e tal... Em um determinado momento, estimulado por esses apoios, ele pareceu superar o medo e gostou muito quando tia Camille acendeu uma árvorde de natal (é o nome do fogo - as luzes sobem em um formato parecido com a árvore de natal). Bateu palmas e gritou: "Viva São João!" Chegou até a pisar nos "traques de massa" (outro que faz um barulho insistente)... Mas recuou. Voltou a sentir medo e a pedir a todos que parassem de soltar fogos, por favor... O fato é que todos estavam concentrados no medo e preocupados com o fato de que ele tinha que se acostumar com o barulho... Eu, entretanto, confesso, achei maravilhoso que meu filho pudesse expressar seu medo. Mostrar-se seguro o suficiente para dizer: "Estou com medo". Da sua forma infantil, queria se afastar daquilo que o amedrontava. Olhou para mim e disse: "Mamãe, vamos se esconder dos fogos, vamos?" Eu sei o que alguns (as) de vocês vão dizer: "É Coisa de mãe ver por esse lado. Assim, ele vai crescer medroso..." Será? Será que o primeiro passo para superarmos o medo não é identificá-lo? Assumi-lo? Por que quando até mesmo as crianças dizem abertamente que estão com medo tratamos logo de minimizá-lo? Porque o medo não é aceito com naturalidade. Nós sempre dizemos: "Não tenha medo..." Por que não dizemos: "Você tem todas as razões para estar com medo..."? Porque em geral não nos colocamos no lugar do Outro. Não estabelecemos uma relação de empatia. Mais ou menos assim: "Se eu tivesse dois anos e meio de idade, eu também estaria com medo desses fogos, desse barulho, desse caos... Então, o medo dele não é infundado..." Passei os nove meses da minha gravidez me preparando para um parto normal. Engordei apenas 9kg, fiz Yoga, hidroginástica... Na hora H, João Marcelo estava laçado. Resultado: cesariana. As pessoas me diziam (até as que nunca tiveram nenê, homens, inclusive): "Não tenha medo... É tranqüilo!" Imaginem como esse frase me confortava! Entretanto, ainda acho que o medo feminino é visto com uma certa complacência. O medo dos homens, esse é encarado com total intolerância. Talvez aquela herança cultural machista... João Marcelo é um menino. Provavelmente não por coincidência, mas por um movimento inconsciente e coletivo, os tios e avôs tenham insistido no discurso: "Não tenha medo! Os fogos não fazem medo, não!" Entendo a tentativa deles, não era uma inadequação... Era uma incompreensão, apenas. Talvez porque João Marcelo tenha verbalizado de forma tão repetitiva seu medo que nos sentimos todos desconfortáveis e impotentes. Inclusive, eu... Não é Coisa de mãe querer proteger e apagar qualquer sinal de sentimento negativo que um filho expresse? Senti-me tão impotente naquele abraço apertado e ligeiramente trêmulo... Queria tanto que ele parasse de ter medo... Ao mesmo tempo, estava tão orgulhosa porque meu filho é capaz de expressar seus sentimentos com tanta segurança e clareza... Que João Marcelo possa crescer falando dos seus medos... Acredito piamente, sem medo de errar, por exemplo, que assim ele será um adulto mais corajoso e forte. Essa é minha oração a São João - o santo que protege meu filho - nesta noite linda em que os fogos não param de piscar e de fazer barulho, muito barulho...

Um comentário:

Camille Maria disse...

Chris, vc quase nos matou... de emoção! lindo, sempre. essa é nossa oração também. beijos, tia Camille e tio Saulo