terça-feira, 10 de junho de 2008

Mães, filhas e uma viagem de metrô

Sábado, 9h30. Saí pela Avenida Paulista rumo à Estação da Consolação. Como boa turista, queria conhecer o Museu de Língua Portuguesa, na Estação da Luz. Logo na fila para comprar o bilhete, encontrei a avó, a mãe, a filha e o filho. De repente, ouvi quando a filha disparou: "Você tá ficando muito chata, mamãe!" Tinha uns 14 anos, no máximo. A mãe arregalou os olhos, mas ficou paralizada. Não balbuciou uma palavra sequer. A menina, louca para assumir sua rebeldia típica da adolescência, falou com tal veemência que eu me choquei também. Inevitavelmente, fui mobilizada pela empatia e imaginei João Marcelo daqui a alguns anos dizendo a mesma frase. Fiquei comovida. Mesmo agora, contando, fico emocionada. Talvez o texto não traduza a força com que a filha pronunciou tais palavras aparentemente tolas, vindas de uma adolescente. Entretanto, na forma, a garota foi impiedosa. Lembrei-me de mim, quando adolescente. Lembrei-me de situações em que fui impiedosa com minha mãe. Talvez por isso tenha sentido tão intensamente as palavras. Daí por diante, não consegui parar de ouvir. Não me condenem: além da empatia, da curiosidade natural do ser humano, eu precisava de material para o blog... A avó, mãe da mãe, compôs o quadro belíssimamente. Foi em defesa da sua filha, ou seja, da mãe. Quem poderia condená-la? Afinal não é isso que as mães fazem: correm em defesa dos filhos (as)? "Sua boca é uma peixeira, fulana! Corta, dilacera..." Disparou com a mesma veemência que a garota. O silêncio da mãe, preenchido pelas palavras da avó, deu-me um certo conforto. A mãe continuou silenciosa e como aquele silêncio era eloqüente... Entramos no metrô, íamos na mesma direção. A menina respondeu também com o silêncio. Eu queria falar, claro! Dizer que ela um dia seria mãe e entenderia o que nós estávamos sentindo - eu, a mãe e a avó. Sempre me disseram isso quando eu era uma adolescente, mas só vim entender o verdadeiro sentido dessas palavras depois que tive João Marcelo, embora ainda não as tenha ouvido. Só de imaginar em um dia chegar a ouvi-las, já compreendo. A avó não parou ali. Ao longo da viagem, encostou-se junto à garota, em pé, e foi falando: "Fulana, você afasta as pessoas. Você quer ficar só? É isso que você quer? Ninguém quer estar perto de uma pessoa agressiva assim..." A menina, calada. Só ouvia, mas já dava para perceber a vergonha, escondida pela cabeça baixa. A mãe estava com os olhos marejados, mas não derramou a lágrima que insistia em nebular sua visão. Estava firme, apoiada no filho mais novo. O filho, de uns sete anos, era só carinhos, abraçado com a mãe, ciente de que ela precisava do seu apoio naquele momento. Ouvira tudo e perguntara a avó, com inocência: "O que é peixeira?" A avó explicara, didática. Tive vontade de perguntar: "A senhora é do Nordeste?" Reprimi meus impulsos. Peixeira é uma das 2.500 palavras e expressões que o escritor Fred Navarro classificou como nordestina, em uma pesquisa interessante que se transformou no livro Assim falava Lampião. O facão é curto e afiado, utilizado para cortar peixe. A avó explicou com a propriedade de quem entendia do que falava... E falava sem sotaque. Quer dizer, com o meu sotaque... Devia ser uma das tantas nordestinas moradoras de São Paulo... A menina estava cabisbaixa. A mãe, profundamente triste. De vez em quando, olhava para menina, quando esta se mostrava distraída. Eu não conseguia parar de observar sua reação. O menino voltava a abraçá-la, como que a defendê-la da peixeira da irmã... A avó parou o sermão e a menina sentou-se afastada. Foi quando anunciaram: Estação São Bento. A mãe perguntou: "É aqui, mãe?" A avó respondeu, distraída: "São Bento? É..." Reuniram-se a avó, a mãe e o filho. Faltava a menina. De onde eu estava, podia vê-la... A mãe perguntou: "Cadê fulana?" A avó localizou a menina e chamou-a pelo nome. A menina veio, ficou atrás dos três... Tive vontade de não ir mais para o Museu e descer em São Bento, sair seguindo a família pelas ruas de São Paulo. Não fiz isso... Preferi imaginar o desfecho: A filha fitaria a mãe intensamente e pediria desculpas. Então, finalmente, a lágrima correria livremente pelo rosto jovem da mãe...

Um comentário:

(A estrangeira) Cristina Alcântara disse...

Muito lindo, Nane. O seu desfecho sem dúvida me enche de esperança, pois os adolescentes são meio orgulhosos para pedir desculpas. Mas...Uma esperança pousou em minha casa, de novo.